Um novo amigo
É visceral, medonho, doloroso e
devastador. São sintomas racionais e não racionais, não importa, o coração já
não consegue mais definir a alma vai ao embalo como um barco perdido no oceano
em uma grande tempestade com raios e trovões. O espírito, esse coitado, está
perdido sem saber onde foi parar e por quais motivos. Os dias estão se
arrastando e numa tempestade de horas, minutos e segundos equivalentes vou me
jogando na vida para que ela passe, mas passe mesmo seja lá como for, mas
passe, nada mais importa tudo está cinza, não há cor, tudo se foi, você se foi. Cansado sentei em um banco de praça observei a paisagem e vi crianças,
adultos, pássaros, até alguns cachorros, que por descuidos estavam ali, digo
descuidos, porque os cachorros não são bem vindos a praças, eu estava ali,
assim como eles, não me sentia bem vindo aquele local, igual aos cachorros.
As pessoas reclamam que os cachorros
sujam as calçadas com seus cocos e pessoas tristes e abandonadas (como eu) de certa
forma também enfeiam as paisagens das praças. Mas fiquei ali, assim, como os
cachorros, que por descuidos ali estavam enfeando a praça. Sentia-me totalmente
abandonado, largado, esquecido, um descuido da vida, do mundo, um descuido de
você.
Fechei os olhos, precisava encontrar
você em algum canto de mim. Não encontrei. Abri os olhos e levei um pequeno
susto, um daqueles cachorros largados na praça, estava sentado olhando pra mim,
bem ali, bem na minha frente. Fiquei incrédulo, “não, não é verdade!” Assim já
é demais! O sentimento de abandono e largado aumentou e percebi através dos
olhos daquele animal que eu era de verdade mais um deles. Fechei os olhos
novamente, respirei fundo, e pensei “não posso perder assim minha dignidade, não
posso ser um cão largado, abandonado”. Mas na realidade, o que sou de verdade
sem você? Dizem que, quem ama cuida. Então não sou amado? Tudo foi mentira?
Mantive os olhos fechados e levemente
virei um pouco à cabeça para trás e a encostei no encosto do banco, parei,
fiquei quieto, a respiração bem leve e novamente busquei você. Não achei. Tudo
cinza. Cadê você?
Senti medo, mas continuei quieto,
procurei ouvir os barulhos em minha volta, escutei as crianças, rindo,
gritando, uma mãe falando com seu pequeno, os carros que passavam por perto e
uma voz anunciando sorvete, o bater das asas dos pombos, que ali também estavam,
e dos cachorros nada eu ouvia. Talvez porque como eram importunos naquele
ambiente ficam quietos para não serem notados e expulsos. Silêncio! Procurei
novamente por você e não encontrei. Por que você não está mais aqui? Abri os
olhos e sem mais sustos vi que o cachorro ainda estava ali. Acreditem de olhos
também fechados, esperei um pouco, depois percebi que ele também abria os olhos
e olhava para mim. Era um cachorro de cor cinza, olhos negros e graúdos, um
pouco gordinho para um cachorro sozinho. Num impulso afetivo passei a mão em
sua cabeça e seu focinho, ele riu, sim, ele riu com seus olhos graúdos que se
encheram de brilho e de presente deu um leve latido. Olhei para os lados na
esperança que ninguém tivesse percebido aquele cachorro vadio se exibindo para
mim. Tive um breve medo de ser expulso dali junto com o meu novo amigo, sim, já
o considerava assim, amigo.
O tempo estava mudando e uma
pequena brisa passou por mim novamente meus pensamentos voltaram para você,
fiquei olhando pro nada e nele pensava te encontrar e dizer: - volta pra mim!
Na visão do meu nada, nada tinha de
você, como isso tinha acontecido? Você saiu de mim sem eu perceber, agora em um
desespero tento de todas as formas te encontrar e não consigo. Sinto tanto tua
falta, quando vou dormir não estás mais comigo, nos meus sonhos tu não estás
também e quando acordo e levanto não te vejo mais nos cantos do meu quarto e em
toda a casa. O que devo fazer pra te ter de volta? Minha vida ficou assim, sem
razão, sem motivos, sem cor, quando abro o álbum de fotos de nossas vidas e ali
não te encontro, é uma tristeza só, é uma vida vazia.
Sem querer pisei no rabo do cachorro
que sem eu ver deitou-se perto de mim, fiz um afogo em sua cabeça como um
pedido de desculpas e logo vi que ria novamente pra mim. Os cachorros são
assim, fieis, e não guardam sentimentos negativos, perdoam, também sou assim,
garanto a você que assim que se decidir novamente voltar pra mim, te cobrirei
de beijos e abraços e seremos novamente felizes, como naquele tempo que quando
eu ia dormir bastava fechar os olhos e você já aparecia rindo pra mim.
Agora estou aqui, sentado em um banco
de praça, largado, abandonado como um cachorro vadio. Quem sabe esse novo amigo também não foi
abandonado por um amor que decidiu também sumir?
Estamos aqui, nós dois, eu e o meu novo
amigo, esperando por vocês, na esperança que um dia a saudade também as visite.
Texto de Francisca Uchôa Souza.
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