quarta-feira, 23 de julho de 2014

Um novo amigo

 Um novo amigo
É visceral, medonho, doloroso e devastador. São sintomas racionais e não racionais, não importa, o coração já não consegue mais definir a alma vai ao embalo como um barco perdido no oceano em uma grande tempestade com raios e trovões. O espírito, esse coitado, está perdido sem saber onde foi parar e por quais motivos. Os dias estão se arrastando e numa tempestade de horas, minutos e segundos equivalentes vou me jogando na vida para que ela passe, mas passe mesmo seja lá como for, mas passe, nada mais importa tudo está cinza, não há cor, tudo se foi, você se foi. Cansado sentei em um banco de praça observei a paisagem e vi crianças, adultos, pássaros, até alguns cachorros, que por descuidos estavam ali, digo descuidos, porque os cachorros não são bem vindos a praças, eu estava ali, assim como eles, não me sentia bem vindo aquele local, igual aos cachorros.
As pessoas reclamam que os cachorros sujam as calçadas com seus cocos e pessoas tristes e abandonadas (como eu) de certa forma também enfeiam as paisagens das praças. Mas fiquei ali, assim, como os cachorros, que por descuidos ali estavam enfeando a praça. Sentia-me totalmente abandonado, largado, esquecido, um descuido da vida, do mundo, um descuido de você.
Fechei os olhos, precisava encontrar você em algum canto de mim. Não encontrei. Abri os olhos e levei um pequeno susto, um daqueles cachorros largados na praça, estava sentado olhando pra mim, bem ali, bem na minha frente. Fiquei incrédulo, “não, não é verdade!” Assim já é demais! O sentimento de abandono e largado aumentou e percebi através dos olhos daquele animal que eu era de verdade mais um deles. Fechei os olhos novamente, respirei fundo, e pensei “não posso  perder assim minha dignidade, não posso ser um cão largado, abandonado”. Mas na realidade, o que sou de verdade sem você? Dizem que, quem ama cuida. Então não sou amado? Tudo foi mentira?
Mantive os olhos fechados e levemente virei um pouco à cabeça para trás e a encostei no encosto do banco, parei, fiquei quieto, a respiração bem leve e novamente busquei você. Não achei. Tudo cinza. Cadê você?
Senti medo, mas continuei quieto, procurei ouvir os barulhos em minha volta, escutei as crianças, rindo, gritando, uma mãe falando com seu pequeno, os carros que passavam por perto e uma voz anunciando sorvete, o bater das asas dos pombos, que ali também estavam, e dos cachorros nada eu ouvia. Talvez porque como eram importunos naquele ambiente ficam quietos para não serem notados e expulsos. Silêncio! Procurei novamente por você e não encontrei. Por que você não está mais aqui? Abri os olhos e sem mais sustos vi que o cachorro ainda estava ali. Acreditem de olhos também fechados, esperei um pouco, depois percebi que ele também abria os olhos e olhava para mim. Era um cachorro de cor cinza, olhos negros e graúdos, um pouco gordinho para um cachorro sozinho. Num impulso afetivo passei a mão em sua cabeça e seu focinho, ele riu, sim, ele riu com seus olhos graúdos que se encheram de brilho e de presente deu um leve latido. Olhei para os lados na esperança que ninguém tivesse percebido aquele cachorro vadio se exibindo para mim. Tive um breve medo de ser expulso dali junto com o meu novo amigo, sim, já o considerava assim, amigo.
O tempo estava mudando e uma pequena brisa passou por mim novamente meus pensamentos voltaram para você, fiquei olhando pro nada e nele pensava te encontrar e dizer: - volta pra mim!
Na visão do meu nada, nada tinha de você, como isso tinha acontecido? Você saiu de mim sem eu perceber, agora em um desespero tento de todas as formas te encontrar e não consigo. Sinto tanto tua falta, quando vou dormir não estás mais comigo, nos meus sonhos tu não estás também e quando acordo e levanto não te vejo mais nos cantos do meu quarto e em toda a casa. O que devo fazer pra te ter de volta? Minha vida ficou assim, sem razão, sem motivos, sem cor, quando abro o álbum de fotos de nossas vidas e ali não te encontro, é uma tristeza só, é uma vida vazia.
Sem querer pisei no rabo do cachorro que sem eu ver deitou-se perto de mim, fiz um afogo em sua cabeça como um pedido de desculpas e logo vi que ria novamente pra mim. Os cachorros são assim, fieis, e não guardam sentimentos negativos, perdoam, também sou assim, garanto a você que assim que se decidir novamente voltar pra mim, te cobrirei de beijos e abraços e seremos novamente felizes, como naquele tempo que quando eu ia dormir bastava fechar os olhos e você já aparecia rindo pra mim.
Agora estou aqui, sentado em um banco de praça, largado, abandonado como um cachorro vadio.  Quem sabe esse novo amigo também não foi abandonado por um amor que decidiu também sumir?
Estamos aqui, nós dois, eu e o meu novo amigo, esperando por vocês, na esperança que um dia a saudade também as visite. 

Texto de Francisca Uchôa Souza.
Foto de Francisca Uchôa Souza