O meu pai tinha um comércio que funcionava
das 06h00min da manhã até às 20h00min, mas todos os dias quando dava 18h00min
ele levantava o som de um belo rádio que ele tinha em uma de suas prateleiras
de mercadorias e eu ficava fascinada com a música que de lá saia juntamente com
a voz do locutor que dizia: “em Brasília, dezenove horas” e no fundo de sua voz
ecoava uma bela melodia, forte, alta, vibrante, inesquecível, um dia muito mais
lá pra frente descobri que se tratava de o Guarani obra de Carlos Gomes e que
um dia também muito mais para frente eu comprei o álbum em forma de disco
compacto e muito mais tarde assisti a ópera já no Festival Amazonas de Ópera, em todos esses momentos vividos depois de minha infância quando ouvia
o Guarani minha vida era remetida imediatamente a minha infância, brincando
junto à calçada do comércio do meu pai e ele me dizendo depois da abertura do
programa a Voz do Brasil “Francisca, está na hora, suba e vá tomar banho”.
Nunca imaginei que um dia iria descobrir o poder da música e das lembranças.
O tempo passou, cresci um pouco mais
agora já tinha 10 anos e agora eu gostava muito de ler, eu aprendera o gosto da
leitura, lia de quase tudo, gibis do meu irmão, às vezes ele brigava comigo
porque eu tirava as revistas das posições que ele colocava, mas também me dava
alguma nova que ele conseguia. Nessa época eu frequentava a escola particular
de Dona Maria Rosa e frequentava sua casa em outras horas. Dona Maria era
casada como Sr. Vieira os dois não tinham filhos e eu mais vez fui recebida
naquela casa com mimos. Tinha outra menina que também frequentava a casa era a
Maria da Luz. Mas era comigo que dona Maria ia receber todo final de mês seu
salário de professora. O Sr. Vieira não gostava que dona Maria lesse umas revistas
que ela gostava; Sétimo Céu, Capricho, Grande Hotel e outras. Todas às vezes
que a gente saía ela comprava várias delas incluía também Tio Patinhas, Pato
Donald, Recruta Zero, Bolinha, Luluzinha, Brotoeja, Riquinho... Nossa, que
saudades, parece nesse instante que foi ontem. Naquele tempo também não havia
bancas de revistas como hoje, todas eram compradas em livrarias como a
Colegial, Acadêmica, Brito, as revistas eram enroladas e amarradas com fio
barbante. Saudade!
Quando voltávamos, antes de chegarmos
a casa dela ela sempre me dizia, “Leva as revistas para sua casa, lê as que
você gosta e quando o Sr. Vieira não estiver em casa você trás pra mim”. Assim
eu fazia. Eu era cúmplice dela em um segredo literário, interessante.
Assim aprendi a gostar de ler além de
minhas revistas infantis, lia também as dos adultos que eram as fotonovelas.
Lembro que foi nessa época que aprendi (ou adquiri o hábito) a cheirar os
livros, as revistas tinham um cheiro gostoso. Mas gostoso era ler o que nelas
tinham, histórias. A revista Grande Hotel era a mais interessante trazia
histórias de amor, aventura, suspense, medo... Contava histórias bonitas e
nelas eu li, Hobby Hood, Ivanhoé, O Príncipe Valente, Sansão e Dalila, Romeu e
Julieta, Tristão e Isolda, Carmem, Guilherme Tell, O médico e Monstro, O Morro
dos Ventos Uivantes... E tantas mais que não serei possível lembrar, talvez as
mais marcantes é que ficaram, aqui, ali quando vejo algo que me remete para lá,
eu lembro. Fui muito feliz na infância. Eu lia e não entendia muita coisa, mas
sei que eram histórias cheias de glória, luta, amor, valentia, medo, justiça e
injustiça também. Hoje eu sei o que era, conhecimento, cultura, vida. E assim a
ópera através da leitura foi inserida em minha vida sem eu saber que mais tarde
eu veria, ouviria e sentiria tanta emoção vendo uma história sendo contada em
cantos. Essa foi a segunda vez que entrei em contato com a ópera. Marcou.
Obrigada dona Maria Rosa! Continua...
Texto de Francisca Uchôa Souza, fotos também.
Foto que consegui fazendo pesquisa no Google,copiei e montei.
Foto tirada do encarte que tenho de lembrança da apresetação.
Agora com as prenuncias do inicio
de uma nova temporada do Festival Amazonas de Ópera, estive outro dia
pensando e lembrando como essa paixão por ópera, músicas clássicas, músicas
sacras, jazz, blues, orquestradas... Enfim músicas que denotam uma qualidade de
audição refinada diferente das cotidianas, tanto me fascinam. Mas agora vou
contar como a ópera foi inserida em minha vida e eu envolvida com a mesma sem
ao menos saber do que se tratava nunca ninguém me ensinou ou disse o que era
uma ópera, se tal melodia era de algum compositor erudito ou não. Cresci
ouvindo aqui, ali, algumas vezes essas músicas sem saber do que se tratava.
Quando tinha uns sete a oito anos tive alguns vizinhos que de alguma forma
inseriram a música e até a ópera em minha vida e só depois de muitos anos vim
descobrir do que se tratava. Hoje me recordo e quero muito transcrever o que eu
vivi e fez com que eu chegasse aonde cheguei amando a música erudita, jazz,
blues... A ópera!
Tive uma vizinha que tinha quatro
filhos, todos já eram jovens rapazes e uma moça, Cristóvão, Celso, César e
Célia. Eu era uma criança que gostava muito de brincar fora de casa (naquele
tempo não havia o perigo de hoje) como quase todas as crianças daquela época e na
casa de dona Valquíria, mãe dos jovens citados acima, lá não havia criança e
por isso eu era tão querida e aceita e eu por minha parte adorava lá estar,
além do chamego e dos doces que comia, gostava muito de ver Célia tocar um
piano que lá tinha. Pois é, esse foi meu primeiro contato com a música erudita,
com a ópera, às vezes que eu ouvia alguém tocando aquele piano eu corria para
ver quem era e poder ver aquelas teclas brancas sendo tocadas pelas pontas dos
dedos. Célia era quem mais tocava e eu gostava, lembro que sempre que isso
acontecia, eu sempre ficava na sala olhando o vai e vem de suas mãos sobre
aquele teclado, não entendia nada só sentia que era gostoso ouvir aquelas
músicas. Dona Valquíria e Sr. Cristóvão eram os pais dos jovens, era um casal
feliz e todos viviam em harmonia e eu lá no meio deles feliz também, era bom
estar ali.
Um dia Célia disse assim: - “Francisquinha
vou tocar uma música e quero que você preste atenção e escute com o coração”.
Eu não entendi nada, mas escutei. Era uma melodia calma, serena, momentos
fortes e tristes, mas gostei, depois fui brincar e esqueci. Uma vez sentei no
banco que tinha em frente ao piano e levantei a tampa dele, olhei para aquelas
teclas, mas não tive coragem de nelas tocar, olhei para baixo e vi que minhas
pernas eram curtas e por isso meus pés não alcançavam uns pequenos pedais que
embaixo tinha.
Um dia acordei e fiquei sabendo
que eles iriam se mudar e com eles o piano foi junto. Lembro-me do dia da
mudança, fiquei de longe assistindo vendo o vai e vem dos ajudantes e a
preocupação da Célia com seu piano. Não quis me despedir deles, fiz de conta
que eles estavam indo viajar e voltariam mais tarde. Mas não voltaram e eu
nunca mais vi aquele lindo piano preto com suas teclas brancas.
Hoje sei exatamente que música
era aquela que a Célia tocou pra eu ouvir, era Nocturne de Chopin, música
tocada e ouvida já em novelas, cinema, concertos... Também sei o que significa
ouvir com o coração, hoje minha alma dança quando escuto uma música que me faz
feliz, seja ela clássica, seja um rock, um blues, um jazz ou uma toada de
boi... Obrigada Célia! Continua...
Texto por Francisca Uchôa Souza.
Foto que copiei da busca do Google, era mais ou menos assim o piano que tinha na casa de Célia